terça-feira, abril 04, 2006

A “Golden Share” defende os Sectores Estratégicos Nacionais?

O processo de privatizações desencadeado pela venda das empresas detidas pelo Estado, total ou parcialmente, criou em alguns sectores considerados estratégicos grandes ameaças quanto à possibilidade de manutenção dos centros de decisão em grupos económicos nacionais, na medida em que essas empresas ao estarem cotadas em bolsa podem ser alvo de aquisições hostis no mercado financeiro. Porém, a questão mais relevante que hoje devemos discutir prende-se com a nossa capacidade de assegurar a manutenção dos “núcleos duros” (pelo menos 33%) do capital dessas empresas ou grupos de empresas, através de grupos económicos portugueses. Em Portugal, a opção tem sido a de vender as participações accionistas do Estado sem acautelar a defesa dessas empresas em mãos nacionais, com o único objectivo de arrecadar mais receita para o Estado.

No caso da privatização da PT (5 fases de privatização) o Estado arrecadou um sexto (17%) da receita total das privatizações, tendo perdido o controlo accionista para outros grupos económicos. Aliás, actualmente as posições accionistas na PT são as seguintes: a Telefónica detém cerca de 10% do capital (limite máximo definido nos estatutos), os três principais fundos americanos detém mais de 20% do capital, o Estado tem cerca de 7% do capital e a “golden share” (a que correspondem 500 acções de tipo A), o BES tem cerca de 9% do capital e Patrick Monteiro de Barros com cerca de 2% do capital, permitindo-lhes controlar a gestão da empresa. O governo espanhol anunciou, recentemente, a abolição das “golden share” nos sectores considerados estratégicos, atendendo a que nos últimos anos os grupos económicos espanhóis consolidaram as suas posições accionistas, através da constituição de “núcleos duros” nessas empresas ou grupos empresariais, como é o caso da Telefónica.

A problemática da manutenção dos centros de decisão, nas empresas consideradas estratégicas para o país, tem tido abordagens diversas consoante os interesses em presença, sendo certo que nos últimos anos pouco tem sido feito para reforçar ou manter tais centros de decisão em mãos (leia-se empresas) portuguesas. O mecanismo jurídico da “golden share”, adoptado para defender os sectores mais importantes da economia portuguesa, traduz-se na manutenção de direitos accionistas especiais por parte do Estado, consagrados nos estatutos dessas empresas (PT e GALP), tendo em vista a sua protecção perante uma eventual OPA (Oferta Pública Aquisição) hostil no mercado bolsista, desencadeada por grupos económicos estrangeiros, com o objectivo de as controlar.

A primeira missão do poder político consiste em definir, do ponto de vista do interesse nacional, quais são os sectores considerados estratégicos e quais as empresas a defender. Ora, a meu ver, os sectores estratégicos a defender são: as águas (AdP-100% do Estado), os transportes aéreos (TAP-100% do Estado), os combustíveis (GALP-25% do Estado, mas onde a ENI detém 33,3% do capital), a energia eléctrica (EDP-25% do Estado), as telecomunicações (PT – 7% do Estado), os correios (CTT – 100% do Estado) e a banca (CGD-100% do Estado), sem olvidar que são estes grupos de empresas que mais empregam, mais investem e maiores receitas fiscais geram ao Estado (veja-se o caso do IRC). O Estado ao alhear-se destes sectores, como accionista de referência, fica sem instrumentos de política económica para poder influenciar positivamente a acção governativa. Acresce que, a não ser invertida a tendência dos últimos anos poderemos acentuar a mudança dos centros de decisão destas empresas para Madrid, Roma, Paris ou Londres. Considero que a “golden share” deve servir apenas para que os grupos empresariais portugueses adquiram posições accionistas fortes, tendo em vista a consolidação e a manutenção dos centros de decisão dessas empresas estratégicas em mãos nacionais.