quinta-feira, abril 13, 2006

Está estranho este mundo

No último fim-de-semana fui interiormente açoitado (ou não estivéssemos em época de quaresma) por duas pequenas leituras distintas que dilaceraram a minha consciência.

- Primeiro, ao ler a gestão deste blog solicitando que os comentários não fossem anónimos e que se identificassem pelo menos pelo nick name. Abriu-se-me então a primeira ferida porque eu não assino o que aqui escrevo. Para preservar algo que a revelação da identidade poderia por em causa, pois não sou pago pelas minhas opiniões, não tenho protectores e tão-pouco atingi independência económico-financeira que me permita outra "desenvoltura". E, se até Miguel Ângelo para sobreviver teve que se submeter aos mandos do Papa...

- Depois, ao ler o saboroso comentário de António de Almeida, no Expresso, sobre os croniqueiros que deixam de cronicar quando colocados em cargos dependentes de algum poder. Ele, António de Almeida, declara manter a sua coluna mesmo depois de nomeado para um cargo na EDP. Segunda ferida lancinante, porque me recordou que havendo dois caminhos nenhum deles eu percorri: ou assino o que escrevo, ou deixo de escrever.

Fustigado no meu íntimo por não ser capaz de fazer aquilo que já fiz, como António de Almeida, no antigo regime e em plena democracia: ser livre e dar a cara e o nome por pensamentos próprios. O cilício que já me apertava a alma cravou-se mais fundo por ceder à pior de todas as censuras: a auto-censura. Peço desculpa pelas fraquezas da carne.

Caros leitores, se depois desta confissão acharem que me devo calar, fá-lo-ei. Mas, aguardando o vosso veredicto, permitir-me-ei compartilhar um breve pensamento sobre os talentos e gestão dos mesmos em empresas de telecomunicações em Portugal.

1 - O talento será dos poucos recursos que um país pode dispor que é inesgotável e reciclável (no sentido de que um mesmo talento poder ser aplicado em diversas áreas). Portugal tem vindo, há décadas, paulatinamente a desperdiçar talentos, quer investindo pouco no seu desenvolvimento, quer deixando-os escapar e não conseguindo reimportar aqueles que já exportou. Mais grave, pouco ou nenhum esforço é feito para aproveitar efectivamente aqueles que por cá andam, que são muitos e muito talentosos.

Dir-se-á que empresas de sucesso não se fazem sem o recurso ao manancial de talentos que recrutaram (ou que inadvertidamente lhe calharam em sorte). Mas, será isso resultante de políticas e estratégias de rentabilização dos talentos, do seu reconhecimento e recompensa para que o talento apresente resultados e o seu ciclo não se esgote? Não me parece. Pergunte nas Direcções de Recursos Humanos das empresas e verá o que lhe respondem. Têm consultores e softwares para gerir os RH (entre eles os talentos); têm programas de rotatividade, programas de progressão, etc. Conhece e acredita nestas ferramentas? Quantos talentos conhece na sua empresa como sendo reconhecidos pela empresa como tal?

O futuro das empresas e do país não se compadece com este desbaratar de recursos.

Alguém, que não sou capaz de citar de cor, escrevia num jornal que se Belmiro de Azevedo se celebrizou por uma incessante busca e desenvolvimento de talentos, realmente o melhor que poderia fazer era comprar a PT porque seria a empresa com maior número dos ditos por metro quadrado (talvez, agora seja mais correcto dizer, por Gigabyte). Mas, muitos talentos juntos sem rumo, sem motivação, são como um magote de jogadores dentro da área adversária a atrapalharem-se uns aos outros e incapazes de chegar ao golo. O(s) talento(s) se não for(em) devidamente tratado(s), seca(m).

2 - Parece que Deus, na Sua infinita sabedoria e bondade, e para que alguns homens não se arrogassem donos de certas qualidades, terá distribuído pelos humanos a inteligência e competência - o talento - fazendo-as seguir a distribuição Gauss. Permitiria, assim, que qualquer crente ou não crente recorresse a ferramentas estatísticas para comprovar este desiderato e evitaria deste modo as concentrações de predestinados em qualquer região do mundo, em qualquer cor, credo, ou partido político e a haver algum ponto de atracção, a natureza se encarregaria de normalizar as coisas.

Por isso, muito estranho porque é que a concentração de gestores do PSD no sector das telecomunicações é "tão enorme" e sua capacidade intrínseca de gerar novos talentos é tão grande que a natureza não teve ainda tempo de repor o equilíbrio natural. Quantos encartados de outros partidos estão na gestão e órgãos sociais de qualquer das grandes empresas de telecomunicações - operadores, fabricantes e fornecedores?

Não, não estou a dizer que as nomeações e escolhas devam ser feitas pela cor do cartão (que é critério tão bom ou tão mau como o do nome de família), senão teríamos que decidir também entre beirões e ribatejanos, entre benfiquistas e sportinguistas, etc, etc... e, em empresas privadas, os accionistas têm todo o direito de nomearem quem muito bem entendem (nas públicas também).Estou, isso sim, a falar do movimento contrário: porque é que outros partidos não têm a capacidade, como o PSD, para atrairemos talentos das empresas. Estou a dizer que um partido como o Partido Socialista (cito este porque tem sempre ambições a governar) tem que se interrogar sobre a sua angariação e gestão de talentos.


Um partido que apresenta como bandeira um Plano Tecnológico e que não alberga no seu seio uma plêiade de talentos em tecnologia e gestão oriundos do mundo empresarial e que sistematicamente vê a composição dos cargos de topo das empresas (de telecomunicações - operadores, fabricantes, fornecedores) fugir à estatística de distribuição da inteligência e capacidades, então tem que perceber o que é que está mal com ele próprio.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Texto bem conseguido, associa uma filosofia do actual “modus viventi” português ao pragmatismo do que se passa no sector das telecomunicações. Permitam-me uma achega que a citação de António de Almeida (AA) me estimula. Este talento “sempre em pé” nos pós 25 de Abril de 74 tem o mérito de ter bons amigos no “centrão” dos interesses, dos quais saliento o actual presidente do PS, Almeida Santos, tal como ele oriundo de Moçambique onde praticava advocacia entre outros negócios possivelmente. AA foi despedido de presidente da EDP por Pina Moura com uma choruda indemnização a qual, segundo consta, aplicou na compra de um apartamento a quem carinhosamente apelidava aos amigos mais chegados de “apartamento pina moura”. Seguiu para Londres, por indicação do governo português de então, para administrador do BERD, adivinhem lá quem foi o padrinho, pessoa muito querida de António Guterres…? A partir daí começou a zurzir semanalmente no “Expresso” os “boys” do governo socialista, sobretudo os da EDP e a política governamental para o sector da energia em particular. Com tanto sucesso que Durão Barroso e o seu ministro da Economia Carlos Tavares, logo que chegaram ao Poder, acharam por bem premia-lo com o cargo de administrador n/executivo para o CA da EDP onde João Talone foi o CEO. Daí saiu para presidente da bolsa que deveria gerir a componente portuguesa do MIBEL e agora, já sob governação socialista “este sempre em pé” foi novamente premiado com o lugar (provisório) de presidente do CA da EDP (António Mexia é o CEO) até que os novos Estatutos entrem em vigor extinguindo aquele cargo e se transforme em presidente do Conselho Geral! Pelo caminho ficou o quadro socialista que mais percebe de energia em Portugal – José Penedos, como aliás ficou sobejamente demonstrado num debate na SIC Notícias onde José Penedos e Mira Amaral bateram largamente em conhecimentos do sector quer António Almeida quer António Borges, mas advogado dá para tudo! Percebe-se por tudo isto porque é que AA pode continuar a escrever – por enquanto panegíricos ao governo de José Sócrates – semanalmente no “Expresso” … Quanto aos demais talentos cuja grandeza está sobejamente demonstrada na área do PSD, e a sua carência nas hostes socialistas parece ser uma fatalidade quando estes atingem o Poder, tem a ver com o complexo de Édipo da grande maioria dos dirigentes do PS que se alcandoraram às pastas governamentais e que tão bem descreveu Miguel Sousa Tavares numa das suas crónicas de há semanas atrás no “Expresso” – em geral provenientes da classe média, subiram a pulso na vida político-partidária, são por isso mais vulneráveis às pressões do grande capital e ao status da sociedade mundana – daí que rejeitem com grande facilidade a sua família política (com excepção do “circle in” de cada um) em benefício dos adversários políticos. No fundo são, alguns deles, “socialistas envergonhados ou oportunistas encartados” que jogam na “bolsa de futuros” a recuperar após a saída do Poder – os exemplos do passado e alguns dos actuais actores quer em grandes sociedades de advogados especializadas no trabalho de lobbies, quer em administradores e ou presidentes de empresas de capital estrangeiro, são por demais evidentes para quem está medianamente atento à política portuguesa. Coitados dos “socialistas de base” são carne para canhão nas empresas privatizadas ou na função pública e só servem para figurantes nos grandes comícios deste tipo de dirigentes. Acordem! Os portugueses não militantes partidários agradecem porque também estão a levar por tabela os desmandos que por aí vão…NL

2:18 da manhã  

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