quinta-feira, abril 27, 2006

O que é uma Golden Share

Afinal o que é uma “golden share”? Que poderes confere? E como tem a Comissão Europeia lidado com o assunto? Como manter a PT ao serviço do desenvolvimento nacional?

1.De acordo com os Professores Pedro de Albuquerque e Maria de Lurdes Pereira, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na sua recente publicação, “As “Golden Shares” do Estado Português em Empresas Privatizadas: Limites à Sua Admissibilidade e Exercício”:

“ Direitos especiais correspondem a permissões normativas de intervir na tomada de decisões por parte de uma sociedade concreta ou de intervir na definição da respectiva estrutura accionista, sempre que a concessão desses direitos não esteja associada à detenção por parte do Estado (ou outro ente público) de uma participação no capital dessa sociedade ou que, quando o esteja, os direitos conferidos sejam desproporcionais ao montante da participação e estabelecidos como um privilégio do Estado ou da categoria de acções que lhe pertencem.

Presentemente, o Estado português detém poderes especiais associados à sua participação social na EDP, GALP e na PT.
No exercício dos poderes referidos, o Estado tem necessariamente de prosseguir o interesse público (cf. 266, nº1, da Constituição-CRP). Em termos mediatos, o exercício das “golden shares” está vinculado à tutela dos consumidores ou utentes do sector em causa. No plano imediato, os poderes especiais só podem ser actuados para tutelar um de dois interesses públicos: a promoção e defesa da concorrência no sector em causa; a garantia da universalidade, igualdade de acesso, qualidade e continuidade do fornecimento de serviços públicos essenciais, bem como da eficiência e equidade dos respectivos preços.

No exercício dos seus poderes especiais, o Estado está ainda sujeito ao princípio da proporcionalidade. Nesse sentido depõem, desde logo, os artigos 2º, nº5 e 5º, nº2 do Código de Procedimento Administrativo - CPA. Acresce que o próprio interesse público ao serviço do qual se encontram as “golden shares” do Estado português reclama a aplicação do princípio da proporcionalidade,

De facto, a existência de “golden shares” e o modo como sejam actuadas podem reflectir-se negativamente no desempenho da admissibilidade da administração da sociedade, pois, na medida em que venha a dissuadir interessados em adquirir o controlo da empresa, furta os órgãos executivos à disciplina do mercado. Acresce que as “golden shares” podem perturbar ainda a captura de poupanças. Ambos os efeitos redundam, em última análise, em prejuízo dos consumidores do sector em causa. Tudo isto sucederá se não se fizer um exercício limitado das faculdades nelas contidas. Reforça-se, por isso, a submissão do exercício dos poderes especiais ao princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade tem como sub princípio o da exigibilidade ou necessidade: entre diversos meios destinados a acautelar de modo igualmente eficaz o interesse público, o Estado encontra-se vinculado a escolher o menos lesivo.

Em comparação com o recurso a poderes especiais, a actividade das autoridades reguladoras independentes constitui um meio tão ou mais eficaz de promover e defender a concorrência, assim como de assegurar determinados valores no fornecimento de serviços públicos essenciais. No entanto, é menos lesivo: não tem um efeito nocivo sobre o investimento (directo ou de carteira) nas sociedades reguladas; garante ainda outros valores que não são suficientemente acautelados pelos poderes especiais (favorece a estabilidade das intervenções reguladoras e evita a “captura” do regulador pelas entidades reguladas). O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, dos mercados associados aos contratos de concessão de serviço público celebrado com a PT.

O Estado português só pode lançar mão dos poderes contidos nas “golden shares” em casos extremos, em que a actuação das autoridades reguladoras independentes ou os esquemas associados aos contratos de concessão de serviço público se revelem inoperantes ou insuficientes.

A liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56 do TCE impõe aos Estados membros a obrigação de se absterem de medidas susceptíveis de vedarem ou de tornarem menos atraente no seu território o investimento directo e o investimento de carteira. Entre as medidas de terem esse efeito, contam-se as consistentes na atribuição de direitos especiais a um sócio, bem como as que impedem o exercício do direito de voto a partir de determinado limite. Em ambos os casos, há uma redução do poder decisório dos sócios capaz de dissuadir investidores. Para que uma medida que vede ou dissuada o investimento seja considerada contrária ao artigo 56 do TCE basta que seja susceptível e afectar (negativamente) o fluxo transfronteiriço de capitas, não se exigindo que seja discriminatória.

Em casos excepcionais, as restrições à liberdade de circulação de capitais introduzidas pelos Estados membros podem ser justificadas. O artigo 58, nº1, alínea a), do TCE permite-as desde que se fundem em razões de “ordem pública” ou de “segurança pública. Finalidades ligadas à garantia de serviços públicos essenciais podem justificar uma restrição à livre circulação de capitais.

Para uma restrição ser justificada exige-se, além disso, a observância do princípio da proporcionalidade. Mesmo que se destinem à salvaguarda de um dos fins indicados, as restrições decorrentes da atribuição de direitos especiais do Estado membros serão excessivas quando não forem estabelecidas prévia e claramente as circunstâncias em que os poderes podem ser actuados, quando não haja obrigação de fundamentar o seu exercício e quando o acto for insusceptível de controlo contencioso.

Os direitos especiais que o Estado português conserva sobre a EDP, a GALP e a PT poderão constituir restrições injustificadas à liberdade comunitária de circulação de capitais. Exceptua-se a faculdade do Estado de vetar quaisquer deliberações da GALP que possam pôr em causa o abastecimento do país em petróleo, gás ou produtos derivados.”

2. Não existindo regulamentação comunitária específica sobre “golden shares”, temos de nos socorrer da jurisprudência do Tribunal Europeu.
Em Junho de 2002, o Tribunal tomou três decisões relevantes sobre os seguintes casos: Elf-Acquitaine (França); Lei das privatizações em Portugal; regulação belga na área da energia.

Nos dois primeiros casos, o Tribunal não deu razão aos Estados membros, considerando as “golden shares” restrições não justificadas ou discriminatórias. Mas, no terceiro caso, sustentou a posição do Estado belga.
O esquema belga dava ao ministro para a energia o direito de veto sobre transacções que envolvessem activos estratégicos pertencentes às companhias privatizadas de gás, utilizadas como as principais infra-estruturas para o fornecimento de produtos energéticos. O tribunal considerou que a salvaguarda do fornecimento nacional de energia constituía um interesse público legítimo e que o esquema belga apresentava as medidas menos restritivas possível para atingir aqueles objectivos, visto que (a) não carecia de prévia aprovação, mas antes estabelecia medidas rigorosamente definidas e só depois da sua verificação é que o governo podia actuar e dentro de um período concreto (b) o veto estava limitado a certas transacções estratégicas e (c) qualquer veto devia ser fundamentado, estando sujeito a revisão judicial.
É dentro deste quadro jurisprudencial que deve ser abordada a questão da ”golden share”. A própria blindagem dos Estatutos poderá ser sujeita a este controlo. É o caso do Volkswagem Act, na Alemanha, que prevê um “cap” de 20% em termos de voto, independentemente seja qual for o número de acções detidas.
A França, após o caso Elf-Acquitaine, usa diversos outros mecanismos para manter o controlo do Estado. Por exemplo, o Estado na Air France e na France Telecom só pode reduzir a sua participação abaixo dos 50%, através de legislação específica.
Entretanto, é de prever alteração do quadro comunitário através de uma revisão da regulamentação de fusões e aquisições.

3. Poder-se-á considerar esta visão demasiado liberal. Poder-se-á contestá-la juridicamente. Poder-se-á dizer que outros Estados têm conseguido manter o controlo sobre empresas estratégicas através dos mais diversos esquemas… A verdade, porém, é que com a adesão à EU, com a privatização e com a cotação em NY, não podemos “ter Sol na eira e chuva no nabal”. As “empresas públicas privatizadas” acabaram!
Uma vez que depois da OPA e independentemente do seu desfecho, “nada ficará como dantes”, seria o momento adequado de proceder a alterações estratégicas de fundo.
A empresa tem de deixar de ser gerida numa óptica eminentemente financeira, em benefício de especuladores e “accionistas de referência”. A reestruturação do grupo e a abordagem comercial é imperiosa. Hoje em dia, cabo e cobre são concorrentes. Há muito se devia ter alienado a TV Cabo. A convergência fixo/móvel e a operação “triple-play” já devia estar no terreno. A aposta em RNG/VOIP é decisiva. O wholesale e o retalho devem ter maior independência, mediante negociação com o Estado/Regulador a libertação das obrigações ex-ante no retalho (uma solução de openreach, como está a ser feito no UK).
O Governo, embora podendo exercer a “golden-share” e esperar por decisão judicial (2008/9), não vai querer ficar mal na “fotografia” comunitária. O Estado tem mesmo a oportunidade de manter a sua influência através de meios mais sólidos juridicamente, mais eficazes empresarialmente e que melhor protejam o interesse nacional e dos consumidores, potenciando o programa de desenvolvimento tecnológico.
Algumas sugestões, que podem/devem ser cumulativas:
- Aumento da participação da CGD
- Alteração do âmbito do SU, cf. permitido pelo artº 86, nº2 da Lei 5/2004 (…SU deve evoluir por forma a acompanhar o progresso tecnológico…)
- Alteração do decrépito serviço X25 que está concessionado, para BL/Internet
- Consequente revisão do Contrato de Concessão.

(JP)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É sempre interessante aprender po recordar alguns conceitos e também sublinhar o q se passa neste sector em outros países. A questão da venda da rede de cabo é polémica e pertinente: sabemos que o desenvolvimento das redes móveis (TMN) e cabo (TVCabo) foi realizada com prejuízo tecnológico, acção no mercado e atenção personalizada ao cliente na rede fixa. As receitas desta deram até agora para tudo, mas a perda de milhares de clientes constatada pela desagregação do lacete local é uma evidência que o ADSL não poderá por muito mais tempo mascarar. Que fazer então? Ao que parece a "nova"? Administração releva, em continuidade e mais uma vez a necessidade da poupança, na redução de custos, etc.Vamos a ver se nos resultados do exercício de 2006 se constatará este simples absurdo verificado no exercício de 2005: Os únicos que tiveram aumentos de remuneração percentuais com dois dígitos foram os ex-membros da Comissão Executiva e os accionistas! Vamos certamente estar atentos não só ao Grupo PT mas também aos lances que outros potenciais adquirentes possam vir a fazer e ainda ao posicionamento da ONI, da Vodafone, da AR Telecom, e outros no mercado das telecomunicações. Quanto ao governo estamos conversados, basta reparar para a sua insignificância na distribuição dos poderes internos após a assembleia geral.... (NR)

5:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois eu acho que é preciso sim separar a TV Cabo na PT e para o bem de todos.

Hoje dado o avanço tecnológico e crescimento da TV Cabo, face ao ligeiro decréscimo de clientes da PT Comunicações, não faz sentido que as duas empresas que podem fazer concorrência nos serviços domésticos de telecomunicações (incluindo voz, dados e vídeo) pertençam ao mesmo grupo económico. Assim só a separação efectiva, e subsequentemente dos interesses accionistas, permitirá que num futuro próximo possa existir concorrência em casa dos portugueses através destas duas empresas, com vantagens efectivas em termos dos preços praticados e dos serviços prestados.

Mas para mim existe ainda uma outra razão que é que considero que a PT Comunicações é uma empresa aprisionada nos interesses do Grupo PT, não lhe sendo permitido fazer pequenos investimentos tecnológicos que lhe trariam enormes retornos económicos – é hoje perfeitamente possível a PT Comunicações oferecer um serviço triple play, pondo em causa o quase monopólio que se vive no cabo (reparem que na voz existe concorrência da ONI, Novis e Optimus Home, e no Cabo da Cabovisão não se houve falar….)

Deste a PT Comunicações poderia se mostrar como a verdadeira herdeira da Inovação, da Determinação e da Competência, dos TLP, Marconi e CTT.

JL

11:55 da tarde  

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