terça-feira, outubro 24, 2006

ADC -- A ORGANIZAÇÃO CAPTURADA PELA CORPORAÇÃO DE INTERESSES

por Manuel Pedroso Marques*

1. A Autoridade da Concorrência (AdC) tem de explicar como é que a fusão de dois concorrentes, a Optimus e a TMN, não prejudica a concorrência no mercado de telemóveis;
2. Tem de explicar porque defende o aparecimento de mais um operador de telemóveis por necessidade de manter a concorrência e, num primeiro tempo, autoriza a fusão de dois dos três existentes;
3. Tem de explicar o que a leva a cometer a contradição referida no nº. anterior, sabendo que estamos perante um mercado já saturado, dado que já há mais aparelhos do que utilizadores;
4. Tem de explicar porque não considerou a existência de sinergias -- invocada pela Sonae e amplamente reconhecida com a fusão da Optimus e da TMN – como uma nova e óbvia realidade no mercado que, pela redução do número de concorrentes, não se traduzirá em benefício dos consumidores, mas sim no dos operadores;
5. Tem de explicar porque, ao incluir na panóplia de “remédios” a facilitação do aparecimento de um novo operador, ignorou que entre os seus desejos e a vontade dos outros há uma diferença irredutível;
6. Tem de explicar porque admitiu colocar a defesa dos consumidores de telemóveis e, consequentemente, da economia nacional num patamar de condicionalismos que lhe é impossível prever e regular;
7. Tem de explicar como chegou a uma decisão completamente descontextualizada em termos internacionais, parecendo esquecer-se que a sua legítima acção incide num sector essencialmente globalizado;
8. Finalmente, algo que não precisa ser explicado, ‘real como o mundo’, o facto das corporações de interesses terem a irresistível ambição de capturarem as instituições de arbitragem, reguladoras das suas relações de poder com os mercados.

O nosso país vive um momento da sua história que, talvez, se possa caracterizar por um relativo desequilíbrio nas relações de poder entre as instituições. Este desequilíbrio é funesto porque significa que uns são contestados pelo exagero de poder exercido e outros são criticados por abdicarem de o exercer. É, por outro lado, gerador de conflitos, positivos ou negativos, de poder entre instituições, o que leva ao chamado “desgaste acelerado pelo poder”. No patamar político, é voz corrente dizer que ninguém ganha o poder, pois, é quem está na posição de o ter (mas, afinal, não tem) que o perde. É capturado! E na maioria dos casos por quem não faz a mínima ideia do que fazer com o poder, mas isto é outra conversa…

Na estratégia das corporações de interesses económicos, da esfera empresarial, os objectivos são mais visíveis. Aqui o poder resume-se à conquista da preferência do mercado. Assim se percebe que a possibilidade de condicionar o julgamento do mercado seja um “Sol que nasça só para nós…” A AdC não deveria por os consumidores portugueses numa longa noite, a recordar o condicionamento industrial de outra”longa noite”, desaparecida nos tempos.

*Exerceu diversos cargos de gestão, entre eles: Presidente do CA da RTP, Diário de Notícias e da Lusa, Agência de Notícias de Portugal. Tem obra publicada de que se destacam os livros " Jogo Estratégico na Gestão" e "Relações de Poder na Empresa".
É membro fundador do Clube de Reflexão Roma.

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios em 19/10/2006 e transcrito para este blog com autorização do Autor)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Amigo Manuel

Fico feliz e satisfeito pela sua intervenção, que como sempre apresenta uma abordagem com profundidade e substancial da matéria.

Luís Freitas

11:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A vasta experiência de Pedroso Marques, na vida, na gestão e conhecimento das pessoas e organizações, bem como a sua inquestionável integridade pessoal e seriedade política, assente numa forte estrutura cívica e democrática, iniciada desde muito novo, enriquecem os nossos conhecimentos e constituem, desde a primeira hora, um contributo de excelência para a reflexão dos problemas, quaisquer que eles sejam, da sociedade e em particular dos objectivos traçados para o Clube R Roma. Foi essencialmente para isto que um grupo de cidadãos ligados às comunicações e à sociedade de informação, suportada pelos diversos meios - tecnológicos (Internet /televisão/ rádio, telemóveis da 3ªgeração, etc.,); Gráficos (jornais, revistas, newsletters, livros, etc.), se organizou e em Tertúlias e/ou reuniões de trabalho e debate procura contribuir para uma melhor sociedade de informação, com maior equidade e facilidade no acesso, procurando melhores caminhos para o combate à info-exclusão de uma vasta camada de cidadãos e, finalmente, tentando conjugar os interesses legítimos dos empresários, accionistas e trabalhadores com o supremo interesse do País. Obrigado caro amigo, pelo excelente texto que põe a nu as fragilidades do responsável pela AdC neste processo intencional de destruir valor, pela fragmentação empresarial do Grupo PT, provado está que, noutro segmento, protagonizando a AdC a concentração da TMN com a Optimus nunca os consumidores portugueses ficarão a ganhar...

2:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Então mas agora a ANACOM que ajudou a AdC nos remédios, vem dizer que afinal eles não são inviáveis?!?!?!?
Senhores Amado de Feitas e Abel Mateus andam a brincar connosco ó quê? E que tal um a demissão destes dois incompetentes???
Já basta aqueles que estão no governo…

JR

2:30 da tarde  

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