quinta-feira, agosto 31, 2006

O Recomeço – Novos Desafios

Com uma pequena paragem para férias o Clube de Reflexão Roma (CRR) retoma a sua actividade de reflexão e análise do sector Comunicações e Sociedade de Informação em Portugal.

Foi precisamente há um ano atrás que intensificámos o trabalho que deu origem à publicação do documento “Importância Estratégica da PT para Portugal” em Novembro do ano passado. Nesse documento o CRR apontava as dificuldades do Grupo PT face a uma gestão errática, sem uma estratégia de crescimento global da empresa, baseada na remuneração ao accionista, sem uma politica global de desenvolvimento dos recursos humanos que privilegiasse o desenvolvimento e a mobilidade, ao contrário da quase exclusividade para as situações de rescisões contratuais, suspensão de contratos e pré reformas. Esse estudo de reflexão sugeria também soluções claras para a resolução dessas dificuldades. Recordemos em síntese algumas das propostas tais como: separação dos serviços das redes, convergência entre a rede fixa e móvel e apostas em novos serviços, como IPTV para a PT Comunicações e VOIP para a TV Cabo, bem como a internacionalização desta empresa.
Em vez de aproveitar esse trabalho uma parte da administração de então e os seus mais chegados quadros, preocupou-se em perseguir os membros do Clube, com recados de exonerações e processos disciplinares à vista. Esqueceram-se que um dos parâmetros fundamentais para o desenvolvimento das organizações é o espírito crítico construtivo e a discussão permanente dos problemas sem tabus. Ao contrário de alguns desses fundamentalistas, o então PCA, Prof. Ernâni Lopes, com a sua sapiência e experiência de vida tinha lançado uma iniciativa que poderia ajudar nesse sentido a que apelidou de “Congresso de Quadros PT”, a qual após 3 ou 4 sessões não teve continuidade infelizmente.

Dois meses após a publicação do estudo do CRR, o país foi surpreendido com a apresentação de uma OPA sobre a PT pela Sonaecom, sobretudo pela diferente dimensão das duas empresas, que em termos figurativos foram comparadas a “David contra Golias”. No entanto os elementos do Clube não sentiram essa surpresa, visto que se apontava esse como um dos mais prováveis cenários, caso se prosseguisse a política de gestão então em curso. Esta OPA, aproveitando o momento de transição da gestão da PT e baseando-se no facto de esta se encontrar fragilizada, serviu essencialmente para demonstrar ao mercado o estratega que é o homem que se tornou o mais rico de Portugal depois do 25 de Abril de 74, e a sua confiança na economia portuguesa, sob a governação do primeiro-ministo Eng.º José Sócrates, e para demonstrar que não basta ter como único driver estratégico numa das maiores empresas portuguesas a remuneração ao accionista. É necessário desenvolver o negócio, apresentar produtos e serviços inovadores e crescer globalmente, como o Clube de Reflexão Roma tem vindo a defender.

Depois da eleição da nova administração em Abril, foram sentidas diferenças de actuação, algumas positivas outras nem tanto. O sinal claro dessa mudança foi o anúncio do spin off da PT Multimédia, o qual permitirá a implementação da separação das redes de um modo mais rápido e o desenvolvimento do sector das telecomunicações em Portugal, através de uma concorrência directa entre os dois maiores fornecedores de serviços residenciais. Menos positiva e questionável é a continuação da aposta na remuneração accionista a qual sofreu inclusivamente um aumento de 500 milhões de euros para o triénio de 2006-2008, passando de 3 para 3,5 mil milhões de euros. São já sentidas as implicações negativas no emprego no universo PT, através do congelamento das remunerações de largas camadas dos seus quadros superiores, na perda de poder de compra da generalidade dos trabalhadores e no previsível crescimento da dívida, provocando-se assim uma grande instabilidade sócio-laboral que não contribuirá para os objectivos empresariais pretendidos e põe também em causa um dos vectores da política governamental – o crescimento do emprego.

Neste novo cenário, o quadro de accionistas de referência da PT sofreu algumas alterações, com a entrada até ao presente de 3 novos accionistas: Ongoing Strategy Investments, Joe Berardo e Telemex. Se os dois primeiros representam de certo os diferentes players na OPA, o primeiro o BES e o segundo a família Azevedo, já os mexicanos da Telemex representam uma ameaça clara ao actual quadro estratégico da PT em Portugal. De recordar que Carlos Slim é só o 3º homem mais rico do mundo e que a Telemex demonstra à algum tempo uma apetência de entrar no mercado europeu de telecomunicações e detém a maior concorrente da VIVO no Brasil. Deste modo as razões apresentadas de “puro investimento financeiro” são simplesmente para não provocar alterações profundas no preço das acções, como também eventualmente para fazer frente a um eventual reforço da Telefónica na VIVO e no mercado brasileiro se se confirmarem os pré-acordos desta operadora espanhola com a Sonaecom.

Um ano depois a PT mudou, exposta a uma OPA, com nova administração e com uma noção mais clara da necessidade de acompanhar as mudanças, é bem presente o sentimento que nada será como dantes. É necessário no entanto garantir, que uma das maiores empresas nacionais, com um impacto significativo no PIB e que detém Portugal no seu nome, prossiga a sua caminhada para o fortalecimento da economia portuguesa e no desenvolvimento da sua internacionalização.

Com OPA ou sem OPA, mas sempre para garantir o futuro da PT, o governo português também tem uma palavra decisiva nesta matéria e não pode ser menos “nacionalista” que o governo socialista espanhol que defende a todo o custo sectores que considera estratégicos de OPA hostis e sobretudo quando provenientes de investidores estrangeiros, como no caso da E.ON sobre a ENDESA.


Clube de Reflexão Roma