quinta-feira, abril 27, 2006

O que é uma Golden Share

Afinal o que é uma “golden share”? Que poderes confere? E como tem a Comissão Europeia lidado com o assunto? Como manter a PT ao serviço do desenvolvimento nacional?

1.De acordo com os Professores Pedro de Albuquerque e Maria de Lurdes Pereira, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na sua recente publicação, “As “Golden Shares” do Estado Português em Empresas Privatizadas: Limites à Sua Admissibilidade e Exercício”:

“ Direitos especiais correspondem a permissões normativas de intervir na tomada de decisões por parte de uma sociedade concreta ou de intervir na definição da respectiva estrutura accionista, sempre que a concessão desses direitos não esteja associada à detenção por parte do Estado (ou outro ente público) de uma participação no capital dessa sociedade ou que, quando o esteja, os direitos conferidos sejam desproporcionais ao montante da participação e estabelecidos como um privilégio do Estado ou da categoria de acções que lhe pertencem.

Presentemente, o Estado português detém poderes especiais associados à sua participação social na EDP, GALP e na PT.
No exercício dos poderes referidos, o Estado tem necessariamente de prosseguir o interesse público (cf. 266, nº1, da Constituição-CRP). Em termos mediatos, o exercício das “golden shares” está vinculado à tutela dos consumidores ou utentes do sector em causa. No plano imediato, os poderes especiais só podem ser actuados para tutelar um de dois interesses públicos: a promoção e defesa da concorrência no sector em causa; a garantia da universalidade, igualdade de acesso, qualidade e continuidade do fornecimento de serviços públicos essenciais, bem como da eficiência e equidade dos respectivos preços.

No exercício dos seus poderes especiais, o Estado está ainda sujeito ao princípio da proporcionalidade. Nesse sentido depõem, desde logo, os artigos 2º, nº5 e 5º, nº2 do Código de Procedimento Administrativo - CPA. Acresce que o próprio interesse público ao serviço do qual se encontram as “golden shares” do Estado português reclama a aplicação do princípio da proporcionalidade,

De facto, a existência de “golden shares” e o modo como sejam actuadas podem reflectir-se negativamente no desempenho da admissibilidade da administração da sociedade, pois, na medida em que venha a dissuadir interessados em adquirir o controlo da empresa, furta os órgãos executivos à disciplina do mercado. Acresce que as “golden shares” podem perturbar ainda a captura de poupanças. Ambos os efeitos redundam, em última análise, em prejuízo dos consumidores do sector em causa. Tudo isto sucederá se não se fizer um exercício limitado das faculdades nelas contidas. Reforça-se, por isso, a submissão do exercício dos poderes especiais ao princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade tem como sub princípio o da exigibilidade ou necessidade: entre diversos meios destinados a acautelar de modo igualmente eficaz o interesse público, o Estado encontra-se vinculado a escolher o menos lesivo.

Em comparação com o recurso a poderes especiais, a actividade das autoridades reguladoras independentes constitui um meio tão ou mais eficaz de promover e defender a concorrência, assim como de assegurar determinados valores no fornecimento de serviços públicos essenciais. No entanto, é menos lesivo: não tem um efeito nocivo sobre o investimento (directo ou de carteira) nas sociedades reguladas; garante ainda outros valores que não são suficientemente acautelados pelos poderes especiais (favorece a estabilidade das intervenções reguladoras e evita a “captura” do regulador pelas entidades reguladas). O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, dos mercados associados aos contratos de concessão de serviço público celebrado com a PT.

O Estado português só pode lançar mão dos poderes contidos nas “golden shares” em casos extremos, em que a actuação das autoridades reguladoras independentes ou os esquemas associados aos contratos de concessão de serviço público se revelem inoperantes ou insuficientes.

A liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56 do TCE impõe aos Estados membros a obrigação de se absterem de medidas susceptíveis de vedarem ou de tornarem menos atraente no seu território o investimento directo e o investimento de carteira. Entre as medidas de terem esse efeito, contam-se as consistentes na atribuição de direitos especiais a um sócio, bem como as que impedem o exercício do direito de voto a partir de determinado limite. Em ambos os casos, há uma redução do poder decisório dos sócios capaz de dissuadir investidores. Para que uma medida que vede ou dissuada o investimento seja considerada contrária ao artigo 56 do TCE basta que seja susceptível e afectar (negativamente) o fluxo transfronteiriço de capitas, não se exigindo que seja discriminatória.

Em casos excepcionais, as restrições à liberdade de circulação de capitais introduzidas pelos Estados membros podem ser justificadas. O artigo 58, nº1, alínea a), do TCE permite-as desde que se fundem em razões de “ordem pública” ou de “segurança pública. Finalidades ligadas à garantia de serviços públicos essenciais podem justificar uma restrição à livre circulação de capitais.

Para uma restrição ser justificada exige-se, além disso, a observância do princípio da proporcionalidade. Mesmo que se destinem à salvaguarda de um dos fins indicados, as restrições decorrentes da atribuição de direitos especiais do Estado membros serão excessivas quando não forem estabelecidas prévia e claramente as circunstâncias em que os poderes podem ser actuados, quando não haja obrigação de fundamentar o seu exercício e quando o acto for insusceptível de controlo contencioso.

Os direitos especiais que o Estado português conserva sobre a EDP, a GALP e a PT poderão constituir restrições injustificadas à liberdade comunitária de circulação de capitais. Exceptua-se a faculdade do Estado de vetar quaisquer deliberações da GALP que possam pôr em causa o abastecimento do país em petróleo, gás ou produtos derivados.”

2. Não existindo regulamentação comunitária específica sobre “golden shares”, temos de nos socorrer da jurisprudência do Tribunal Europeu.
Em Junho de 2002, o Tribunal tomou três decisões relevantes sobre os seguintes casos: Elf-Acquitaine (França); Lei das privatizações em Portugal; regulação belga na área da energia.

Nos dois primeiros casos, o Tribunal não deu razão aos Estados membros, considerando as “golden shares” restrições não justificadas ou discriminatórias. Mas, no terceiro caso, sustentou a posição do Estado belga.
O esquema belga dava ao ministro para a energia o direito de veto sobre transacções que envolvessem activos estratégicos pertencentes às companhias privatizadas de gás, utilizadas como as principais infra-estruturas para o fornecimento de produtos energéticos. O tribunal considerou que a salvaguarda do fornecimento nacional de energia constituía um interesse público legítimo e que o esquema belga apresentava as medidas menos restritivas possível para atingir aqueles objectivos, visto que (a) não carecia de prévia aprovação, mas antes estabelecia medidas rigorosamente definidas e só depois da sua verificação é que o governo podia actuar e dentro de um período concreto (b) o veto estava limitado a certas transacções estratégicas e (c) qualquer veto devia ser fundamentado, estando sujeito a revisão judicial.
É dentro deste quadro jurisprudencial que deve ser abordada a questão da ”golden share”. A própria blindagem dos Estatutos poderá ser sujeita a este controlo. É o caso do Volkswagem Act, na Alemanha, que prevê um “cap” de 20% em termos de voto, independentemente seja qual for o número de acções detidas.
A França, após o caso Elf-Acquitaine, usa diversos outros mecanismos para manter o controlo do Estado. Por exemplo, o Estado na Air France e na France Telecom só pode reduzir a sua participação abaixo dos 50%, através de legislação específica.
Entretanto, é de prever alteração do quadro comunitário através de uma revisão da regulamentação de fusões e aquisições.

3. Poder-se-á considerar esta visão demasiado liberal. Poder-se-á contestá-la juridicamente. Poder-se-á dizer que outros Estados têm conseguido manter o controlo sobre empresas estratégicas através dos mais diversos esquemas… A verdade, porém, é que com a adesão à EU, com a privatização e com a cotação em NY, não podemos “ter Sol na eira e chuva no nabal”. As “empresas públicas privatizadas” acabaram!
Uma vez que depois da OPA e independentemente do seu desfecho, “nada ficará como dantes”, seria o momento adequado de proceder a alterações estratégicas de fundo.
A empresa tem de deixar de ser gerida numa óptica eminentemente financeira, em benefício de especuladores e “accionistas de referência”. A reestruturação do grupo e a abordagem comercial é imperiosa. Hoje em dia, cabo e cobre são concorrentes. Há muito se devia ter alienado a TV Cabo. A convergência fixo/móvel e a operação “triple-play” já devia estar no terreno. A aposta em RNG/VOIP é decisiva. O wholesale e o retalho devem ter maior independência, mediante negociação com o Estado/Regulador a libertação das obrigações ex-ante no retalho (uma solução de openreach, como está a ser feito no UK).
O Governo, embora podendo exercer a “golden-share” e esperar por decisão judicial (2008/9), não vai querer ficar mal na “fotografia” comunitária. O Estado tem mesmo a oportunidade de manter a sua influência através de meios mais sólidos juridicamente, mais eficazes empresarialmente e que melhor protejam o interesse nacional e dos consumidores, potenciando o programa de desenvolvimento tecnológico.
Algumas sugestões, que podem/devem ser cumulativas:
- Aumento da participação da CGD
- Alteração do âmbito do SU, cf. permitido pelo artº 86, nº2 da Lei 5/2004 (…SU deve evoluir por forma a acompanhar o progresso tecnológico…)
- Alteração do decrépito serviço X25 que está concessionado, para BL/Internet
- Consequente revisão do Contrato de Concessão.

(JP)

quinta-feira, abril 20, 2006

Uma nova e importante etapa para o Grupo PT

A Administração que na AG da PT na próxima sexta-feira será eleita deve estar consciente, e sobretudo preparada, para enfrentar o maior desafio que um dos mais importantes e internacionais Grupos empresarias portugueses da actualidade vai enfrentar desde o seu nascimento, em 1994, pela fusão das ex- empresas TLP, Telecom Portugal e TDP (mais tarde também com a integração da Marconi).

Não só a Administração mas também o governo português serão co-responsáveis pelo sucesso ou insucesso em várias vertentes, da operação em curso desencadeada particularmente pela OPA da Sonaecom, mas também pelas opções estratégicas assumidas no passado, com o acordo ou até pela eventual pressão do accionista Estado. Estamos a pensar especificamente na alienação pelo Estado das infraestruturas de telecomunicações fixas, aquando do governo liderado pelo Dr. Durão Barroso e na pasta das Finanças a Drª Ferreira Leite, ansiosamente carentes de receitas extraordinárias para colmatar parte do défice das finanças públicas.

É que o modelo no sector das Telecomunicações, face à pretendida liberalização, não poderia ser outro senão aquele que prudentemente foi seguido no sector da energia eléctrica. Para quem não sabe recordemos sumariamente que a REN – Rede Eléctrica Nacional era há alguns anos atrás uma empresa com capital totalmente pertencente à EDP. O Estado (governo liderado pelo Eng. António Guterres e secretário de Estado da Energia, Eng. José Penedos) traçou então uma estratégia para este sector, preparando-o adequadamente para a entrada de outros Operadores, quer na produção primária, quer na distribuição aos consumidores finais. E para garantir igualdade de tratamento tratou de reservar para si a maior fatia do capital da REN, ressarcindo a EDP por esse facto. Actualmente a REN prepara-se para dispersar parte do seu capital por privados e entrar na Bolsa mas o Estado vai permanecer – e bem - como accionista de referência de molde a continuar a garantir os mecanismos de transparência de custos, igualdade de acesso às fontes energéticas , no fundo a criar condições para uma sã concorrência dos diversos agentes, produtores, comercializadores e interesses dos consumidores.

Deste modo, pouco importante será que a PT seja dominada por dois ou três grupos económicos accionistas com menos de 10% cada, como o é agora, ou por um com uma maior tranche de capital e poder quase absoluto, se não forem acautelados os interesses públicos; Em primeiro lugar reflectidos pelas necessidades de melhores serviços e preços dos consumidores, em segundo lugar pela dependência de dezenas de milhares de trabalhadores e suas famílias no activo ou pensionistas da sobrevivência de uma Empresa economicamente sustentável como é hoje o Grupo PT, finalmente e não despiciente, pelas eventuais percas de receitas fiscais por via da operação financeira de aquisição em curso ou outras subsequentes.

Até agora o Governo tem tido um comportamento exemplar, mantendo uma prudente discrição sobre as movimentações em curso deixando que sejam os agentes económicos a fazerem os lances característicos das sociedades democráticas em mercado livre mas regulado. No futuro estamos expectantes e de algum modo preocupados, se não vierem a ser acautelados os diversos interesses em presença.

A concretizar-se a separação dos negócios na PT da rede de cobre (PT Comunicações) dos da rede de cabo (TV Cabo) melhor seria que fosse equacionada a constituição de uma nova empresa grossista na rede fixa, com capital preponderante do Estado e participação de outros Operadores e accionistas individuais, seguindo-se assim o modelo da rede eléctrica que já demonstrou na prática a sua elevada valia para os interesses económicos do País nas discussões para a constituição do MIBEL e para os consumidores portugueses em geral.

(ML)

quinta-feira, abril 13, 2006

Está estranho este mundo

No último fim-de-semana fui interiormente açoitado (ou não estivéssemos em época de quaresma) por duas pequenas leituras distintas que dilaceraram a minha consciência.

- Primeiro, ao ler a gestão deste blog solicitando que os comentários não fossem anónimos e que se identificassem pelo menos pelo nick name. Abriu-se-me então a primeira ferida porque eu não assino o que aqui escrevo. Para preservar algo que a revelação da identidade poderia por em causa, pois não sou pago pelas minhas opiniões, não tenho protectores e tão-pouco atingi independência económico-financeira que me permita outra "desenvoltura". E, se até Miguel Ângelo para sobreviver teve que se submeter aos mandos do Papa...

- Depois, ao ler o saboroso comentário de António de Almeida, no Expresso, sobre os croniqueiros que deixam de cronicar quando colocados em cargos dependentes de algum poder. Ele, António de Almeida, declara manter a sua coluna mesmo depois de nomeado para um cargo na EDP. Segunda ferida lancinante, porque me recordou que havendo dois caminhos nenhum deles eu percorri: ou assino o que escrevo, ou deixo de escrever.

Fustigado no meu íntimo por não ser capaz de fazer aquilo que já fiz, como António de Almeida, no antigo regime e em plena democracia: ser livre e dar a cara e o nome por pensamentos próprios. O cilício que já me apertava a alma cravou-se mais fundo por ceder à pior de todas as censuras: a auto-censura. Peço desculpa pelas fraquezas da carne.

Caros leitores, se depois desta confissão acharem que me devo calar, fá-lo-ei. Mas, aguardando o vosso veredicto, permitir-me-ei compartilhar um breve pensamento sobre os talentos e gestão dos mesmos em empresas de telecomunicações em Portugal.

1 - O talento será dos poucos recursos que um país pode dispor que é inesgotável e reciclável (no sentido de que um mesmo talento poder ser aplicado em diversas áreas). Portugal tem vindo, há décadas, paulatinamente a desperdiçar talentos, quer investindo pouco no seu desenvolvimento, quer deixando-os escapar e não conseguindo reimportar aqueles que já exportou. Mais grave, pouco ou nenhum esforço é feito para aproveitar efectivamente aqueles que por cá andam, que são muitos e muito talentosos.

Dir-se-á que empresas de sucesso não se fazem sem o recurso ao manancial de talentos que recrutaram (ou que inadvertidamente lhe calharam em sorte). Mas, será isso resultante de políticas e estratégias de rentabilização dos talentos, do seu reconhecimento e recompensa para que o talento apresente resultados e o seu ciclo não se esgote? Não me parece. Pergunte nas Direcções de Recursos Humanos das empresas e verá o que lhe respondem. Têm consultores e softwares para gerir os RH (entre eles os talentos); têm programas de rotatividade, programas de progressão, etc. Conhece e acredita nestas ferramentas? Quantos talentos conhece na sua empresa como sendo reconhecidos pela empresa como tal?

O futuro das empresas e do país não se compadece com este desbaratar de recursos.

Alguém, que não sou capaz de citar de cor, escrevia num jornal que se Belmiro de Azevedo se celebrizou por uma incessante busca e desenvolvimento de talentos, realmente o melhor que poderia fazer era comprar a PT porque seria a empresa com maior número dos ditos por metro quadrado (talvez, agora seja mais correcto dizer, por Gigabyte). Mas, muitos talentos juntos sem rumo, sem motivação, são como um magote de jogadores dentro da área adversária a atrapalharem-se uns aos outros e incapazes de chegar ao golo. O(s) talento(s) se não for(em) devidamente tratado(s), seca(m).

2 - Parece que Deus, na Sua infinita sabedoria e bondade, e para que alguns homens não se arrogassem donos de certas qualidades, terá distribuído pelos humanos a inteligência e competência - o talento - fazendo-as seguir a distribuição Gauss. Permitiria, assim, que qualquer crente ou não crente recorresse a ferramentas estatísticas para comprovar este desiderato e evitaria deste modo as concentrações de predestinados em qualquer região do mundo, em qualquer cor, credo, ou partido político e a haver algum ponto de atracção, a natureza se encarregaria de normalizar as coisas.

Por isso, muito estranho porque é que a concentração de gestores do PSD no sector das telecomunicações é "tão enorme" e sua capacidade intrínseca de gerar novos talentos é tão grande que a natureza não teve ainda tempo de repor o equilíbrio natural. Quantos encartados de outros partidos estão na gestão e órgãos sociais de qualquer das grandes empresas de telecomunicações - operadores, fabricantes e fornecedores?

Não, não estou a dizer que as nomeações e escolhas devam ser feitas pela cor do cartão (que é critério tão bom ou tão mau como o do nome de família), senão teríamos que decidir também entre beirões e ribatejanos, entre benfiquistas e sportinguistas, etc, etc... e, em empresas privadas, os accionistas têm todo o direito de nomearem quem muito bem entendem (nas públicas também).Estou, isso sim, a falar do movimento contrário: porque é que outros partidos não têm a capacidade, como o PSD, para atrairemos talentos das empresas. Estou a dizer que um partido como o Partido Socialista (cito este porque tem sempre ambições a governar) tem que se interrogar sobre a sua angariação e gestão de talentos.


Um partido que apresenta como bandeira um Plano Tecnológico e que não alberga no seu seio uma plêiade de talentos em tecnologia e gestão oriundos do mundo empresarial e que sistematicamente vê a composição dos cargos de topo das empresas (de telecomunicações - operadores, fabricantes, fornecedores) fugir à estatística de distribuição da inteligência e capacidades, então tem que perceber o que é que está mal com ele próprio.

quinta-feira, abril 06, 2006

Ainda, e uma vez mais sobre a OPA

Até há dois meses atrás OPA era um acrónimo esquisito (ou não o fossemtodos os acrónimos) que não tirava o sono a ninguém. E para quem lida comempresas cotadas em bolsa, a OPA é um instrumento dos mercados financeiros pordemais bem conhecido nada devendo ao esoterismo. Mesmo aquelas OPAS que encerremem si alguma ou total hostilidade; também o factor surpresa nada tem desurpreendente porque, precisamente uma das características das OPAS, e sobretudo das hostis, é que devem ser feitas de surpresa evitando que a empresa alvo se defenda antes do tempo e que o mercado de capitais funcione baseado em rumores (como se bastas vezes assim não funcionasse. Lá diz o ditado: "compre no rumor, venda no facto").

Então, se tudo está escrito e é tão visível, a que se deve o bru-á-á em torno da OPA da Sonae sobre a PT? Razões haverá e, em minha opinião, algumas das mais evidentes serão:
- de, o país - o cidadão comum - desconhecer o que é uma OPA. Pura esimplesmente, desconhecia o que é isso de alguém "descaradamente" dizer: eu compro-te;
- de, um pequeno tentar engolir um grande contrariando a história dos três peixes de Brecht em que neste mundo os médios comem os pequenos e os grandes comem os médios já com os pequenos na barriga;
- de, o pequeno afirmar ao mercado e ao mundo que os gestores da maior empresa portuguesa não a gerem como deve ser;
- de, acontecer em período de vacas muito magras para os portugueses e as empresas (incluindo as de telecomunicações, salvo talvez a OPTIMUS, as de hipermercados e centros comerciais) apresentarem lucros astronómicos que ainda por cima servem para justificar porque é que compram e porque é que não devem ser compradas;
- de, provocar instabilidade laboral nas empresas, quer na atacante (que não pensem os trabalhadores da Sonae.com estar a salvo), quer na empresa alvo;
- de, o facto de lançar uma OPA sobre a PT ser quase lançar uma OPA sobre o sector das telecomunicações em Portugal. Desse o devido desconto ao exagero desta última afirmação, mas quem lançou a OPA não a deve intimamente considerar um exagero assim tão grande.

E o último ponto é o busílis da questão. Porque sobre accionistas (exceptuando o Estado) passados, presentes e futuros, é irrelevante falar. São accionistas e serão accionistas enquanto isso lhes interessar. É até difícil distinguir (a mim, mas por dificuldade própria) um accionista estrangeiro de um accionista português. Poderemos ter mais simpatia pelo estilo glamour e aristocrático do eixo Lisboa-Cascais, ou pela história devida (com que a maior parte de nós sonha) de nascer em berço humilde (isto não sonhamos) e de nos alcandroarmos aos píncaros da fama e da fortuna (esta é parte com que sonhamos) em meia-geração, mas tal, é de somenos importância para o futuro do país.

- O Estado e a OPA -

Então que palavra ao accionista Estado em matéria de OPA sobre a PT? Poderá o Estado, independentemente de quem sejam os seus parceiros accionistas, deixar de intervir na PT?

A OPA da SONAE sobre a PT veio apenas dar mais realce a uma questão recorrente (que a OPA, por si só, não responde nem resolve) e que reside em esclarecer definitivamente que papel quer o Estado/Governo desempenhar no sector das Telcos e em que medida a Portugal Telecom é um instrumento de relevância para a estratégia de desenvolvimento do país.

Se considerarmos que para um país, não existem empresas estratégicas, mas que existem, isso sim, sectores estratégicos - como a educação/formação, a saúde, a água, o ambiente, a energia, as comunicações - então o Estado/Governo deveria remeter-se a uma posição de mero accionista. Mas...não esquecer que inicialmente "manipulámos" a argumentação e considerámos a OPA sobre a PT "quase uma OPA sobre o sector dastelecomunicações" e que o Governo já declarou como estratégico o Sector das Tecnologias da Informação e tem um Plano para desenvolvimento do país baseado neste sector. Então, o caso muda de figura.
Além disso, empresas há que são um instrumento fulcral da prossecução de uma política definida para um sector estratégico. Ou haverá alguma dúvida que nos EUA as empresas do armamento e da "conquista" do espaço nos EUA (sectores estratégicos para este país) não são "direccionadas"?
Apenas dois exemplos do passado demonstrativos que a PT não é um empresa como outra qualquer cotada em Bolsa e que as suas competências e capacidades extravasam a mera busca de remuneração accionista: o pólo universitário de Aveiro, centro de formação de gabarito e excelência em áreas tecnológicas, nasceu devido à existência nesta cidade do Centro de Estudos de Telecomunicações, hoje PT-Inovação; a PT já promoveu e abriu portas a mais empresas portuguesas do que muitas campanhas do ICEP ou embaixadas presidenciais.

Se gostaríamos de ver mais clara, por parte do Governo, a política para o sector e para a PT, neste momento muito mais não poderá ser adiantado porque a OPA condiciona certas declarações. E, diga-se em abono da verdade que em matéria de OPA o Estado/Governo tem mantido um posicionamento de louvar (olvidando algumas interpretações de que a recente designada Administração da PT poderá indiciar alguns alinhamentos e vícios passados). No entanto,
- o Governo não se poderá deixar ofuscar pelas movimentações bolsistas resultantes da OPA considerando-as um sinal do arranque (que inequivocamente existe) da economia;
- o Governo deverá providenciar um equilíbrio entre a defesa dos interesses nacionais e a liberdade de funcionamento do mercado sem deixar de olhar a PT como um instrumento fundamental de um sector considerado estratégico capaz, de com OPA ou sem ela, ser um dos pilares de uma economia sustentada.
- O Estado/Governo não se poderá deixar menorizar no seu papel de accionistada PT e ter o papel interventivo que lhe compete na gestão das empresas do Grupo PT sem medo de ser acusado de prejudicar a economia de mercado. Ou serão menos lesivas as acusações mútuas de má gestão imputada a putativos comprados e de falta de experiência e de resultados em gerir empresas de telecomunicações assacada a putativos compradores?

terça-feira, abril 04, 2006

Um primeiro passo

O Clube de Reflexão Roma – Comunicações e Sociedade de Informação, é constituído essencialmente por quadros superiores de diversas empresas do sector das comunicações, em particular das telecomunicações e tem como objectivo principal promover a análise, discussão e propostas para esta importante área de actividade económica do país que representa cerca de 5% do seu PIB.

Tendo presente as possíveis mudanças no sector e em todos os seus domínios, entendeu-se conveniente promover de forma mais expedita a comunicação, partilha de opinião e inclusivamente confronto de ideias.

Um passo importante para o clube, que esperamos conduza a um esclarecimento racional e necessário a todos os interessados.

A OPA da Sonae: O retalho da PT?

As empresas nascem, crescem, vivem e morrem, tal como acontece na vida das pessoas. Porém, o nascimento da PT, em 1994, resultou da fusão de três grandes empresas – ex-TP, ex-TLP e ex-Marconi – com o claro objectivo de fortalecer e desenvolver o dinâmico mercado das telecomunicações, cujo contributo para a modernização do tecido económico português é reconhecidamente inquestionável. Por outro lado, a criação da PT permitiu à Bolsa de Valores ganhar dimensão e escala, na medida em que as 5 fases de privatização dinamizaram fortemente o anémico mercado bolsista de então, sem olvidar que o Estado ao privatizar a PT obteve um sexto do total das receitas com as privatizações, contribuindo, desse modo, para reduzir a elevada divida pública, tendo em vista o cumprimento de um dos critérios da entrada na moeda única – o EURO.

A PT, na proposta de OPA (Oferta Pública de Aquisição) da Sonae, vale 16 mil milhões de euros, quase 10% do PIB, sendo a maior empresa nacional cotada na bolsa, significa que a mesma não poderá ser vendida a retalho, isto é, a oferente pretende comprar a PT com o “pelo do cão”, implicando o vencimento de tal proposta um menor esforço financeiro do grupo empresarial português. A meu ver, é de louvar a atitude da Sonae, no actual contexto da economia nacional, porquanto revela confiança na nossa economia e, obviamente, na própria PT. Contudo, a PT não pode, nem deve, ser considerada uma empresa qualquer na expressão quantitativa e qualitativa da economia portuguesa, já que o seu percurso e desempenho deve ser orientado para a promoção do progresso tecnológico e para o consequente desenvolvimento económico do país. A PT é uma empresa de ponta no domínio das novas tecnologias, com fortes ligações aos meios académicos e científicos portugueses, com capacidade de inovação própria (PT/Inovação) e reconhecimento internacional (caso dos cartões pré-pagos nos telemóveis). Assim, a PT é uma empresa estruturante das novas condições produtivas, nomeadamente no desenvolvimento do Plano Tecnológico que o actual Governo pretende implementar de forma acelerada, para vencermos o nosso atraso económico.

Ao estar cotada na Bolsa de Nova Iorque a PT dignifica a imagem de Portugal – a única empresa de bandeira - no estrangeiro, quer pela sua reconhecida qualidade, quer pelos seus bons resultados económicos, apesar da forte concorrência e da pressão das entidades reguladoras nacionais. A PT representa 4% do PIB nacional, 1% do emprego e 500 milhões de euros/ano de investimento (é o maior investidor privado português). Aliás, refira-se que existem quatro aspectos, de primordial importância, que a OPA ainda não esclareceu, como sejam: - qual o futuro do Fundo de Pensões da PT, sendo certo que apresenta um “buraco” de 2.500 milhões de euros (500 milhões de contos), resultantes de obrigações não fundeadas pela empresa (?); - qual o futuro da PT/ACS que serve cerca de 100.000 beneficiários (?); - qual o futuro dos cerca de 4.000 trabalhadores a “dispensar” na PT, bem como dos seus direitos? e - que futuro está reservado à PT/Inovação, no contexto da necessidade de I&D que o país carece(?). Daí que a relevância da PT na sociedade portuguesa, no contexto da feroz competição no mercado internacional das telecomunicações, venha a determinar uma atenção especial do Governo para esta OPA, na medida em lhe caberá, em última instância, a salvaguarda do interesse nacional num agressivo mercado em consolidação. Assim, a chave para a solução desta operação está nas mãos do Governo, depois das entidades reguladoras se pronunciarem, nos termos legais.

A “Golden Share” defende os Sectores Estratégicos Nacionais?

O processo de privatizações desencadeado pela venda das empresas detidas pelo Estado, total ou parcialmente, criou em alguns sectores considerados estratégicos grandes ameaças quanto à possibilidade de manutenção dos centros de decisão em grupos económicos nacionais, na medida em que essas empresas ao estarem cotadas em bolsa podem ser alvo de aquisições hostis no mercado financeiro. Porém, a questão mais relevante que hoje devemos discutir prende-se com a nossa capacidade de assegurar a manutenção dos “núcleos duros” (pelo menos 33%) do capital dessas empresas ou grupos de empresas, através de grupos económicos portugueses. Em Portugal, a opção tem sido a de vender as participações accionistas do Estado sem acautelar a defesa dessas empresas em mãos nacionais, com o único objectivo de arrecadar mais receita para o Estado.

No caso da privatização da PT (5 fases de privatização) o Estado arrecadou um sexto (17%) da receita total das privatizações, tendo perdido o controlo accionista para outros grupos económicos. Aliás, actualmente as posições accionistas na PT são as seguintes: a Telefónica detém cerca de 10% do capital (limite máximo definido nos estatutos), os três principais fundos americanos detém mais de 20% do capital, o Estado tem cerca de 7% do capital e a “golden share” (a que correspondem 500 acções de tipo A), o BES tem cerca de 9% do capital e Patrick Monteiro de Barros com cerca de 2% do capital, permitindo-lhes controlar a gestão da empresa. O governo espanhol anunciou, recentemente, a abolição das “golden share” nos sectores considerados estratégicos, atendendo a que nos últimos anos os grupos económicos espanhóis consolidaram as suas posições accionistas, através da constituição de “núcleos duros” nessas empresas ou grupos empresariais, como é o caso da Telefónica.

A problemática da manutenção dos centros de decisão, nas empresas consideradas estratégicas para o país, tem tido abordagens diversas consoante os interesses em presença, sendo certo que nos últimos anos pouco tem sido feito para reforçar ou manter tais centros de decisão em mãos (leia-se empresas) portuguesas. O mecanismo jurídico da “golden share”, adoptado para defender os sectores mais importantes da economia portuguesa, traduz-se na manutenção de direitos accionistas especiais por parte do Estado, consagrados nos estatutos dessas empresas (PT e GALP), tendo em vista a sua protecção perante uma eventual OPA (Oferta Pública Aquisição) hostil no mercado bolsista, desencadeada por grupos económicos estrangeiros, com o objectivo de as controlar.

A primeira missão do poder político consiste em definir, do ponto de vista do interesse nacional, quais são os sectores considerados estratégicos e quais as empresas a defender. Ora, a meu ver, os sectores estratégicos a defender são: as águas (AdP-100% do Estado), os transportes aéreos (TAP-100% do Estado), os combustíveis (GALP-25% do Estado, mas onde a ENI detém 33,3% do capital), a energia eléctrica (EDP-25% do Estado), as telecomunicações (PT – 7% do Estado), os correios (CTT – 100% do Estado) e a banca (CGD-100% do Estado), sem olvidar que são estes grupos de empresas que mais empregam, mais investem e maiores receitas fiscais geram ao Estado (veja-se o caso do IRC). O Estado ao alhear-se destes sectores, como accionista de referência, fica sem instrumentos de política económica para poder influenciar positivamente a acção governativa. Acresce que, a não ser invertida a tendência dos últimos anos poderemos acentuar a mudança dos centros de decisão destas empresas para Madrid, Roma, Paris ou Londres. Considero que a “golden share” deve servir apenas para que os grupos empresariais portugueses adquiram posições accionistas fortes, tendo em vista a consolidação e a manutenção dos centros de decisão dessas empresas estratégicas em mãos nacionais.

Um primeiro passo

O Clube de Reflexão Roma – Comunicações e Sociedade de Informação, é constituído essencialmente por quadros superiores de diversas empresas do sector das comunicações, em particular das telecomunicações e tem como objectivo principal promover a análise, discussão e propostas para esta importante área de actividade económica do país que representa cerca de 5% do seu PIB.

Tendo presente as possíveis mudanças no sector e em todos os seus domínios, entendeu-se conveniente promover de forma mais expedita a comunicação, partilha de opinião e inclusivamente confronto de ideias.

Um passo importante para o clube, que esperamos conduza a um esclarecimento racional e necessário a todos os interessados.